terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Ely

Ely (lê-se "ili") é uma cidade muito simpática a norte de Cambridge (a meio caminho entre March e Cambridge). Cidade? Sim, não é engano!

Vista de Ely junto ao rio Ouse (fonte: visitely.eastcambs.gov.uk)

Do alto dos seus 20 mil habitantes e 60km2 de área é apenas o equivalente a "meia Bury St Edmunds". A grande razão para Ely ser uma cidade e vilas muito maiores não o serem é puramente uma questão política. As "cidades" são atribuídas por Royal Charter (Decreto Real) com base em alguns critérios mais ou menos arbitrários, mas essencialmente a presença da Catedral diocesana é o critério decisivo. A diocese de Ely cobre quase todo Cambrigeshire (excepto Peterborough, que é outra cathedral city!) e uma parte de Norfolk.

Vista aérea de Ely, com a Catedral ao centro (fonte: news.bbc.co.uk)

Ely é famosa nacionalmente pela Catedral, que é de facto impressionante. Há alturas durante o dia e ao Domingo em que não se paga, mas regra geral paga-se a admissão. Mas o bilhete é válido por um ano e inclui visita guiada (nas horas do dia em que elas estão marcadas).

Grande plano da Catedral de Ely (fonte: www.panoramio.co.uk)

Foi aqui que foi filmada a "coroação" do Rei Jorge VI no filme "O Discurso do Rei" (com o Colin Firth) e não em Westminster (onde o evento "a sério" se realizou).

Vista da entrada da Catedral (fonte: www.idps.org.uk)

Outro "momento de glória" da catedral é aparecer ao fundo na capa do álbum dos Pink Floyd "The Division Bell". O álbum em si é uma homenagem às raízes da banda, nas margens do rio Cam, bem perto de Ely.

Capa de The Division Bell (Pink Floyd), com a Catedral ao fundo entre as estátuas (fonte: wikipedia.com)

Por falar de rio, a passagem de comboio fica na memória à primeira pelo panorama criado pelos típicos barcos estreitos com a catedral em fundo.

Vista de Ely ao passar de comboio (fonte: en.wikigogo.org)

Duas histórias muito interessantes sobre Ely: sabiam que já foi uma ilha? Ely, tal como March, faz parte de uma região ainda hoje conhecida como os "Fens" (pântanos). É uma zona muito plana e baixa (abaixo do nível do mar em alguns sítios!) e até há 400 anos apenas se conseguia chegar a Ely de barco!

A ilha de Ely (Elyg) em 1071, com Cantabrigie (Cambridge) a Sul (fonte: www.jamesaitcheson.com)

Por esta altura, a Realeza, conjuntamente com o Parlamento, chamaram os holandeses (quem melhor que eles!) para "drenar" os campos (construindo um sistema de valas e canais) e foi o fim da ilha. Foi certamente um admirável trabalho de engenharia, principalmente tendo em conta a limitação de conhecimentos técnicos e ferramentas! Mas este é um trabalho contínuo: ainda hoje os "Fens" são drenados para evitar cheias.

A outra história tem a ver com uma personagem histórica: Oliver Cromwell. Apesar de constar dos livros de história, é alguém que o "sistema" vigente não gosta de dar grande atenção... Cromwell viveu dez anos em Ely entre 1636 e 1646 (quando Ely ainda era uma ilha) e a casa onde vive é agora a casa-museu Oliver Cromwell. É uma personagem algo sinistra, uma espécie de Salazar inglês no século XVII. Liderou uma das facções da chamada Guerra Civil inglesa, que culminou com a sua vitória e a consequente execução (!) do Rei Carlos I na guilhotina.

Estátua de Oliver Cromwell em Westminster, juntinho às casas do Parlamento (fonte: www.urban75.org)
Foi a vitória do parlamentarismo sobre a monarquia absoluta, em que só o Rei é que sabia e contestá-lo era um sacrilégio (dado o direito "divino" dos Reis). A partir daqui, o parlamento tornou-se o regime e de facto a monarquia tinha terminado (foi o único momento da história de Inglaterra em que não houve monarquia). Oliver Cromwell tornou-se o líder do Governo republicano mas acabou por usar a mesma "receita" dos Reis: só ele é que sabia e, no fundo, ele era como que um "enviado de Deus" para varrer a corrupção e os vícios do sistema (soa a algo familiar?). Claro está que o parlamentarismo tornou-se rapidamente ditadura militar. O "reinado" de Cromwell não durou muito e o seu fim não foi bonito (vou poupar-vos a pormenores!). A verdade é que dois anos depois da sua morte a monarquia voltou, desta vez como "monarquia parlamentar" e um novo Rei, Carlos II. Um híbrido entre as duas facções iniciais, portanto: existe o Rei, que supostamente manda, mas na verdade é o parlamento quem decide. Nada de substancial mudou no entretanto. Portanto, a partir de agora quando ouvirem a expressão "manda tanto como a Rainha de Inglaterra", já sabem como começou!
 

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Fogo que queima a carteira!

Qual é a probabilidade de em Portugal alguém pagar para ir ver um banal fogo-de-artifício? E quando o valor a pagar é 7 euros para os adultos, 6 para as crianças e 22 para uma família com dois filhos? E, mais precisamente, quem pagaria estes valores (ou outros quaisquer) quando o mesmo fogo é visto do outro lado da “cerca”, a uns metros de distância, completamente à borla? Ah, e sem uma motivo de “caridade” muito concreto para justificar este pagamento. Quase zero? Bem, é o que nos parece. Mas se tivessem vindo a Bury St Edmunds no passado Sábado teriam mais uma prova de que existem diferenças culturais entre Portugal e o Reino Unido!

fonte: bury-st-edmunds.roundtable.co.uk

Cerca de sete...mil (!!!) pessoas, de acordo com os jornais locais, juntaram-se nos Abbey Gardens ao início da noite de Sábado para experienciar aproximadamente 20 minutos de fogo-de-artifício. Engarrafamentos e a quase impossibilidade de estacionar no centro provaram-nos o quão podemos ainda ser surpreendidos neste país. Ao ver aqueles preços, nunca nos passou pela cabeça aquele panorama.

fonte: buryfreepress.co.uk
Este espectáculo insere-se na tradição anual do Bonfire, que explicamos no blogue noutra ocasião. Ninguém leva o evento pirotécnico muito “a sério” (em termos de motivações) mas no fundo é uma espécie de “Dia do Orgulho Anglicano”. O que é realmente levado muito a sério é o aspecto lúdico do Bonfire. Em todos os cantos e esquinas encontramos “kits” de pirotecnia, para todos os orçamentos, para rebentar com o maior estrondo possível chegado o dia. É realmente impressionante, mesmo em pequenas vilas. Parece um ataque aéreo massivo! Perigoso? Sim, sem dúvida, pensamos nós, mas a realidade é que não se ouvem grandes preocupações com isto numa tradicionalmente "securitária" sociedade britânica!

fonte: burymercury.co.uk

Bem, mas para ser justo com o povo britânico, é muito raro ver fogo-de-artifício ao longo do ano. Vemos no Ano Novo em Londres e Edimburgo, mas pouco mais. Não é um país de “foguetes”. O que contrasta com o país do foguetório que somos, em que todas as terras e terrinhas, festas e festinhas têm de ter fogo-de-artifício para a celebração ser “como deve ser”! E então ouvimos foguetes “noite sim, noite não” de Junho a Setembro, o que diminui o “valor” dos foguetes e do espectáculo associado. É compreensível a excitação, mas daí a pagar 7 euros para ver fogo-de-artifício no céu que é de todos… ainda não estamos assim tão “british”!
 

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A velha York

York é uma importante vila do Nordeste de Inglaterra, capital de um dos maiores condados de Inglaterra: Yorkshire. Moram em Yorkshire (em cidades como Leeds e Sheffield) aproximadamente 5 milhões de pessoas, tantas como em toda a Escócia (!). É uma zona tradicionalmente industrial, não propriamente turística nem especialmente amigável (uma das áreas com maior taxa criminal no Reino Unido). A vertente industrial já foi bem maior e as consequências deste declínio são bastante visíveis. Mas como se enquadra a vila de York no contexto global de Yorkshire?

Perspectiva de York
York é um sítio à parte no contexto do condado. É uma pequena vila histórica, envolta numa muralha erguida no tempo dos Romanos e com raízes na invasão Viking (nesses tempos era conhecida como Jorvik). Encontramos lá também uma das mais importantes Catedrais de Inglaterra, ainda que isso não nos parecesse argumento suficiente para o elevadíssimo preço de admissão.

Catedral de York


York tem ainda uma excelente oferta de museus e é realmente preciso fazer uma selecção! Visitamos o museu ferroviário, que era de facto soberbo! Contíguo à estação de caminhos-de-ferro, contém uma quantidade e qualidade de equipamento e informação que permitiria a um verdadeiro aficionado horas e horas de deslumbre! Isto não é de todo surpreendente, face à posição pioneira que o Reino Unido teve na ferrovia e da paixão colectiva por comboios. Cereja no topo do bolo: é um museu em que não se paga admissão, logo não há mesmo desculpa para o falhar!



O museu ferroviário

Outro museu muito interessante é o Museu Viking. É um museu “vivo”, pois reflecte um trabalho contínuo de descoberta de uma vila Viking onde hoje é o centro da vila. As primeiras descobertas ocorreram nos anos 1960 e desde então muito trabalho tem sido posto na descoberta destas raízes e na catalogação dos achados. É um museu para toda a família, muito bem organizado e com muita informação transmitida de forma interactiva, o que o torna ainda mais interessante!

O museu Viking (Jorvik) - fonte: www.picturesofengland.com

O centro da vila é bastante pitoresco, plano como habitual, com ruas muito estreitinhas que fazem lembrar o Porto. A arquitectura é geralmente imponente, mas muito baseada no típico tijolo de Londres (“cor de burro”). A oferta de lojas é excelente e não fica de todo a dever às grandes cidades. Não nos pareceu uma vila cara em termos gerais, estará um pouco abaixo do nível de Cambridge.

Uma das concorridas ruas pedonais de York

Em suma, vale certamente a pena visitar York, nem que seja como ponto de passagem rumo a paragens mais nordestinas como o Lake District e a Escócia. Viveríamos lá? Bem, não se deve dizer “dessa água não beberei” mas o contexto social não é propriamente chamativo e é só por si um factor fortemente dissuasor para não morarmos por estas bandas… mas esperamos voltar um dia, quanto mais não seja para visitar os outros museus que não tivemos tempo de visitar desta vez!